As dores da Independência

O Globo

Nos seus sete anos de Rio, Janaína Castro Alves, de 24 anos, tem assistido ao estreitamento das quatro paredes de seu quarto. No passar do tempo, a jovem mineira, que chegou à capital fluminense para estudar, já disse adeus à ajuda financeira da mãe e viu seu salário aumentar, mas a qualidade da moradia não acompanhou seu sucesso. Se, no início de sua aventura carioca, ela pagava R$ 450 pelo aluguel de um quarto e sala em Copacabana, hoje desembolsa R$ 415 por um quartinho de empregada em um apartamento que divide com outros três amigos em Botafogo. Depois de morar quase de favor e trabalhar em um call center para poder pagar as contas, considera seu apartamento um achado. Na quinta-feira passada, no entanto, soube que terá um mês para encontrar outra casa: o dono do apartamento, com quem tinha um contrato informal, pediu o imóvel de volta. O caso de Janaína é um exemplo de como é difícil a jornada dos jovens na busca pela independência em tempos de hipervalorização. Por um lado, os aluguéis em alta. Por outro, os preços de venda em alta dificultam a compra à vista ou mesmo a capacidade de bancar o valor da entrada.

Segundo o índice Fipe/Zap, nos últimos quatro anos, o preço dos imóveis no Rio cresceu em média 167% — contra uma inflação, medida pelo IPCA, de 26%. Em São Paulo, o cenário não foi muito diferente. A valorização dos imóveis no período foi de 154%, frente a uma alta geral dos preços ao consumidor de 23%. Os aluguéis não ficaram muito atrás: no Rio, aumentaram 111%; em São Paulo, 81%. E essa é apenas a média. Em alguns bairros, os preços dispararam bem mais.

Não por acaso, entre a vida confortável na casa dos pais e o sacrifício de pagar um aluguel, é difícil para muitos jovens escolher a liberdade. Os mais planejados, e pacientes, adiam a saída para poupar e comprar imóveis, na planta principalmente. Quem sente mais pressa ou não tem a possibilidade de se abrigar com parentes mal se acha no direito de sonhar com a casa própria. Se a dificuldade de encontrar apartamentos nas regiões mais desejadas e compatíveis com a renda já é imensa, juntar dinheiro parece impossível.

— Pagar aluguel é uma sensação constante de estar rasgando dinheiro. Mas, no meu sonho de comprar uma casa, a historinha não é que eu vou trabalhar, trabalhar, juntar dinheiro e comprar alguma coisa. É tipo eu fazer um trabalho sensacional que vai me dar muito dinheiro e aí eu vou conseguir comprar a casa. Como se fosse cair do céu mesmo — reflete o radialista Diogo Cunha, de 27 anos, que mora em apartamento alugado em Copacabana e convive com a preocupação constante de que o proprietário de seu apartamento vá aumentar o preço, obrigando-o a voltar para a casa da mãe.

Sorte de quem comprou apartamento antes que a cidade do Rio começasse a mudar tanto. A engenheira Érica Carneiro, de 33 anos, tem o seu desde 2006. Depois que a amiga com quem dividia apartamento se casou, ela viu que o valor do aluguel seria parecido com o da prestação de um apartamento e decidiu encarar a compra. Formada havia três anos, Érica resgatou seu FGTS e, com mais um dinheirinho guardado e um pequeno empréstimo do avô, deu entrada em um imóvel na Tijuca.

— No primeiro mês, eu falei “caramba, não vai dar”. Sempre viajei muito, mas tive que ficar um ano sem viajar — lembra. — Na época, porém, os imóveis não estavam tão caros. Meu apartamento, desde que eu comprei, triplicou de preço.

A valorização dos imóveis nos últimos anos aconteceu em todo o Brasil. O índice Fipe/Zap, medido em sete capitais desde 2010, mostra que, além de Rio e São Paulo, Recife, Belo Horizonte e Fortaleza sofreram aumentos bem acima da inflação do país nos últimos dois anos. A facilitação do acesso ao crédito, o aumento da renda média e a redução das taxas de juros foram fatores que contribuíram para o boom do mercado imobiliário, sentido com mais força em regiões com pouca possibilidade de expansão, caso dos bairros escolhidos por Janaína. Nos últimos dez anos, os aluguéis de apartamentos de um quarto em Copacabana aumentaram 265% e em Botafogo, 328%, de acordo com números fornecidos pelo Sindicato da Habitação do Rio (Secovi-Rio). Entre 2002 e 2012, a inflação medida pelo IGP-M — presente em muitos contratos como base para reajuste — foi de 134%. Nos bairros mais valorizados, muitas vezes o IGP-M nem é mais a base dos reajustes, que ficam ao sabor do proprietário.

Talvez por isso seja mais difícil encontrar nas regiões mais valorizadas dessas cidades jovens que morem literalmente sozinhos. A renda limitada os obriga a morar com duas ou mais pessoas (conhecidas ou não), no quartinho de serviço, ou mesmo de favor. Quem quer apenas alugar um quarto também enfrenta um ambiente adverso. A média de preço do Rio no site especializado Easy Quarto é a mais cara do Brasil: R$ 900. São Paulo fica em segundo lugar, com R$ 750.

A videografista Liana Lessa, de 25 anos, já testou o site, em uma experiência quase traumática. Vinda de Brasília por causa de uma oferta de emprego, Liana chegou ao Rio sem muitas referências, e o site foi a saída para o problema. Na casa, onde viviam quatro pessoas, ninguém nem conversava. Pelo quarto, em Botafogo, ela pagava R$ 1 mil, quase o mesmo valor que custava o aluguel de seu apartamento quarto e sala em uma área nobre de Brasília. Hoje, a videografista vive com Janaína em um apartamento dividido entre amigos, mas ainda alimenta a vontade de voltar a viver sozinha.

— Ninguém mora de cabeçada porque é amigo, mas por necessidade. Dividir apartamento é um casamento sem sexo — brinca Janaína.

Em São Paulo, a situação não é diferente. Vindo de Rio Claro, interior de São Paulo, o analista de comunicação Rafael de Godoy, de 27 anos, chegou à capital de seu estado sabendo que teria de gastar um bom pedaço de seu salário no aluguel. Hoje mora em Curicica, na Zona Oeste de São Paulo, e paga R$ 520 para dividir um apartamento com outros três amigos.

— Em Rio Claro, com esse dinheiro, poderia alugar, provavelmente, um casa pequena, com dois quartos. O custo de vida é menor, e, dependendo da região, é possível encontrar bons imóveis por preços justos — comenta.

As repúblicas, portanto, estão longe de ser exclusividade de universitários. O aluguel de quartos pelo site é muito mais usado por profissionais (57%) do que por estudantes (34%). Os aluguéis no Rio pelo EasyQuarto não perdem muito para os de outras cidades do mundo onde a renda per capita é bem mais alta, como Paris (R$ 1,3 mil), Roma (R$ 1,2 mil) e Madrid (R$ 900). Segundo Dennis Volkmann, gerente do site EasyRoom para o Brasil e Portugal, aluguéis de quartos em bairros nobres podem chegar a R$ 2 mil. Apesar das dificuldades, muitos relutam a ir para longe dos círculos sociogeográficos mais conhecidos. Não há tempo para tanto trânsito, dizem.

— Prefiro continuar morando na Zona Sul, me ferrando, do que ir para longe. O capital econômico está no Centro e na Zona Sul. Todos os trabalhos estão por aqui, salvo um ou outro na Barra — justifica Janaína, que já morou em Niterói. — Se eu for morar longe, vou ter que arcar com o custo de transporte e o tempo absurdo que se demora para chegar aos lugares.

A opinião de Janaína é compartilhada pela maioria dos jovens entrevistados pela repórter. A impressão de todos é que, enquanto os bairros nobres os expulsam, aqueles mais acessíveis não oferecem a estrutura da qual são dependentes, como mercado de trabalho aquecido, transporte e opções culturais. Estudos, inclusive, indicam que a opção por bairros nobres pode ser lucrativa. Em 2005, uma pesquisa do Iuperj — de Valéria Pero, Adalberto Cardoso e Peter Elias — mostrou que, entre as pessoas com 11 anos de escolaridade, os moradores da favela ganhavam 84% menos que os do asfalto. Outro estudo, da USP, com dados de 2000, que comparava os rendimentos de quem vive em cidades satélites de Brasília ou na capital — dos economistas Luiza Carneiro, Adolfo Sachsida e Mario Jorge Mendonça —, demonstrava que o primeiro grupo ganhava até 58% menos, considerando, entre outros aspectos, anos de escolaridade e proficiência em línguas.

— Quando você mora em um bairro nobre, frequenta a roda de amigos desse bairro. Na hora em que pinta um emprego, você leva vantagem. Além disso, do ponto de vista do empregador, pode fazer sentido discriminar quem mora longe. Essa cara (que mora longe) vai chegar atrasado, a chance de ele faltar é maior, vai chegar cansado, não vai querer fazer hora extra — explica Sachsida, hoje técnico de planejamento e pesquisa no Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).

O diretor de lançamentos do Creci-RJ, Ariovaldo Rocha Filho, ressalta, no entanto, que, se esses jovens topassem morar em regiões mais afastadas do Centro do Rio, como a Freguesia, ou menos servidas de infraestrutura, como São Cristóvão, não teriam tantos problemas:

— Os preços da Zona Sul são para quem tem um investimento feito, não para quem está iniciando a vida. Esses vão se tornar bairros cada vez mais velhos.

No entanto, mesmo quem mora fora do perímetro mais valorizado da cidade — Zona Sul, Grande Tijuca e Barra — encontra dificuldades para encontrar um aluguel que lhe caiba no bolso. O designer de interiores Léo Lopes, de 25 anos, viu-se obrigado a abandonar dois anos e meio de independência na Praça Seca, Jacarepaguá, Zona Oeste do Rio, por causa do aumento do aluguel, que, junto com as outras contas, já consumia metade de sua renda.

— Não estava valendo nada a pena morar sozinho. Prefiro investir esse dinheiro na minha qualificação, fazer uma pós, de repente outra graduação — explica — Comprar a casa própria é a minha meta agora.

Morando de favor na casa dos pais da namorada há mais de quatro meses em Abolição, na Zona Norte, o estudante de Comunicação Lucas Flores, de 23 anos, só não volta para a casa da mãe porque ela fica em Rio das Ostras, na Região dos Lagos. Ele sofre para encontrar um apartamento compatível com seus recursos, o salário de estagiário mais a mesada do pai. O ideal, para ele, seria gastar R$ 500 por mês, mas ele já admite dispender R$ 600 ou R$ 700, mesmo dividindo.

— Quero Piedade, Abolição, Cachambi, Engenho de Dentro, Méier, Engenho Novo, Vila Isabel, Maracanã e Tijuca. Abolição tem um ponto final de ônibus que passa em frente à minha faculdade, e Piedade é logo ali do lado. Mais longe que isso não posso ir — diz Lucas.

E pensar que R$ 600 eram o que o dentista Fernando Carneiro, de 50 anos, pagava para morar em um apartamento de dois quartos no Bairro Peixoto, uma das regiões mais desejadas de Copacabana, em 2001. Hoje, ele desembolsa três vezes esse valor para pagar por um apartamento um pouco maior em Laranjeiras, também na Zona Sul. Fernando paga aluguel há 25 anos e sabe que o Rio está bem mais complicado para os jovens do que era quando ele saiu da casa de seus pais, em 1988. Recém-formado, bancava um apartamento de dois quartos no Flamengo sozinho.

— Acho que hoje o Rio está muito complicado. Os preços subiram muito, não somente dos aluguéis. A negociação tem que ser muito forte — diz o dentista, que faz planos para mudar de cidade nos próximos anos.

Em tempos de necessidade, a ajuda dos pais no processo de independência de que Lucas usufrui é comum. A atriz Laura Araújo, de 26 anos, já estava se sentido “velha” e, há um ano e meio, aceitou a ajuda do pai para sair de casa. Não fosse ele, diz, as contas consumiriam 100% de sua renda, formada por seu trabalho como atriz, além de trabalhos avulsos de produção, tradução e “para o que me chamarem”. Morando com uma amiga no Humaitá, Laura é pressionada pela proprietária, que já expressou um desejo incontrolável de aumentar o aluguel.

— Quando minha irmã saiu (há cerca de oito anos), não recebia mesada de ninguém e conseguia se bancar trabalhando com teatro — conta.

Há alguns meses, a mãe de Laura revelou que gostaria de ajudar as filhas a sair da escravidão do aluguel. Decidiu dar entrada em um apartamento para as duas. A notícia foi um “grande alívio” para a atriz, que, de outra forma, nem sequer conseguia conceber um futuro em que poderia fazer o investimento por conta própria.

A arquiteta Regina Maria Pereira Villas Boas e seu marido pesquisam para comprar um apartamento na Zona Sul depois que seu filho, de 23 anos, com quem moram no Recreio, começou a trabalhar no Centro. Os preços, no entanto, impediram-nos de encontrar qualquer imóvel que valesse a pena. Bernardo, recém-formado engenheiro, conta que a maioria de seus amigos mora com os pais:

— Meus amigos que moram sozinhos ganharam o apartamento da família, ou então por causa de uma herança.

O mais comum, segundo o economista Gilberto Braga, é que os jovens comprem apartamentos na planta, mais baratos. O investimento normalmente é feito ainda na casa dos pais, já que, nessa situação, não há tantas despesas. O projeto, no entanto, é apenas para os mais planejados, pois exige antecedência de três a cinco anos. A opção é comum à maior parte dos amigos do bancário Felipe Henriques, de 27 anos. Ele e sua namorada já começaram a comprar um apartamento, financiado em 30 anos, que fica pronto em dezembro, seis meses antes da data de seu casamento.

— Eu gostaria de ter saído de casa antes, mas não tinha como. Acho que aluguel é um dinheiro que a gente desperdiça — opina Felipe, que está saindo da Ilha do Governador, na Zona Norte, para a Zona Oeste.

A mudança de regiões da cidade para possibilitar a saída da casa dos pais tem se tornado cada vez mais comum. Uma comparação entre as pesquisas de preços de aluguel do IPC/FGV e do Fipe/Zap sugere isso. A primeira considera apenas os imóveis ocupados pelo mesmo morador nos anos da pesquisa e atesta que, entre 2009 e 2011, pico da valorização, os aluguéis aumentaram menos que a inflação, 18% contra 21%. Isso acaba não contabilizando quem sai por causa do reajuste excessivo do preço. Já o Fipe/Zap, que considera todos os anúncios do site de classificados Zap, vê um crescimento do preço do aluguel de 34% no período. A diferença de metodologia, segundo os institutos, é porque a FGV mede o custo de vida, enquanto a Fipe calcula a valorização imobiliária.

Segundo Sachsida, é correto afirmar que as pessoas preferem deixar seus imóveis para encontrar outros que caibam melhor em seu bolso, o que indicaria um movimento de mudança de regiões mais nobres para as menos valorizadas. Isso aconteceu com o estudante de arquitetura Mateus Pinto, de 23 anos. Depois que o aluguel do apartamento de seus pais no Leblon triplicou, ele tomou a decisão de procurar sua própria casa. Enquanto seus pais buscam um imóvel menor, ele foi morar em um apartamento na Tijuca com três amigos:

— Na Zona Sul, você vê apartamentos que, além de muito pequenos, estão detonados. Na Zona Norte, dá para encontrar apartamentos maiores, mais baratos e em melhores condições. Por isso, decidi vir para cá.

Se no Rio a movimentação dos grupos sociais pelos bairros parece complicada, em São Paulo ela ocorre com mais facilidade. Segundo o economista Sérgio Vale, da MB Associados, bairros de classes operárias como Barra Funda e Vila Leopoldina, ambos na Zona Oeste, têm se transformado em locais com alta concentração de jovens. Ele defende que a tendência é que as cidades mudem de cara com as fortes valorizações imobiliárias nos bairros mais nobres das metrópoles brasileiras:

— Um jovem de Nova York que sai da casa dos pais também não vai conseguir morar perto do Central Park. É natural, com isso, que outros bairros se desenvolvam, como acontece agora em São Paulo. O Rio tende a se expandir para o sul, da Barra para baixo, o que complica a situação desse jovem pela distância também. Aqui em São Paulo, USP, PUC e Mackenzie estão em áreas próximas desses bairros, mas o que dizer de UFRJ e Uerj em relação à Barra?

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