Justiça do Rio barra alta rotatividade em prédios
O Globo
Um decisão judicial em primeira instância, no Rio, está abrindo um novo capítulo na eterna briga entre moradores que alugam quartos ou apartamentos por períodos curtos e vizinhos que discordam da alta rotatividade que isso pode trazer aos prédios. É que em Ipanema um condomínio acaba de ganhar uma ação contra uma família que faz locação de dois dormitórios com serviços, alegando que o entra e sai tira o sossego dos demais, além de colocar a segurança em xeque.
A juíza entendeu que oferecer a hospedagem desta forma caracterizava um hotel, portanto, uma atividade comercial, e que isso não estava previsto na convenção do condomínio. A decisão, segundo especialistas, pode abrir precedentes e levanta uma questão polêmica a poucos meses da Copa do Mundo, em que vários moradores pensam em abrir suas casas para locação de quartos ou por um período curto.
Para o síndico Lourival Loureiro, que moveu a ação em questão, o que incomoda é o grande fluxo de desconhecidos e a falta de segurança:
— Frequentemente as portas do prédio estão abertas de madrugada. Quem fica poucos dias não tem a mesma responsabilidade de alguém com um contrato de aluguel longo e de peso.
Já o morador Felipe Costa Abreu, dono do apartamento que aluga os dois quartos, defende que, na prática, o aluguel longo, por temporada ou cama e café é a mesma coisa:
— A rotatividade aumenta um pouco, mas não há problema de segurança, pois nós estamos aqui. Se o apartamento é nosso, achei que não tivesse problema, pois se as pessoas alugam um imóvel inteiro, por que não posso locar um quarto? — questiona o morador, para quem não há um entendimento claro do que pode ou não ser feito. — O ideal seria uma decisão superior para regulamentar este tipo de hospedagem.
Aluguel pode, mas oferta de serviços não
Para o consultor jurídico da Apsa Administradora, André Junqueira, que representa o condomínio na ação, a grande diferença entre os tipos de hospedagem está na rotatividade, pois prédios residenciais não têm a infraestrutura e equipe de funcionários da recepção de um hotel. O advogado Renato Anet acrescenta que não é apenas o aumento no fluxo de pessoas, mas é a prática de oferecer serviços que distingue cama e café do aluguel de temporada:
— Cada caso é um caso. Mas é importante ver que uma coisa é alugar, outra é oferecer serviços também. Fornecer café, buscar no aeroporto ou passeios caracteriza uma atividade hoteleira e o condomínio é um residencial.
O Sindicato da Habitação do Rio (Secovi Rio) esclarece que a Lei do Inquilinato permite o aluguel de quartos com café ou do imóvel por temporada de até 90 dias. Na avaliação do vice-presidente Jurídico do Secovi Rio, Rômulo Cavalcante Mota, o caso em Ipanema foge à mera locação por temporada e/ou de cômodo.
— O dono está fazendo uma prestação de serviço hoteleiro. É diferente — diz Mota, que não crê que este caso vai gerar jurisprudência:
— O assunto ainda é muito novo, e a decisão apontada pode ser usada como parâmetro para outras decisões, mas o juiz tem liberdade para decidir e isto dependerá de cada caso. De um lado está a liberdade que a lei faculta ao proprietário para alugar, e, de outro, não existe previsão legal impedindo esse tipo de atividade.
O morador já entrou com recurso contra a decisão de primeira instância.
É preciso checar a convenção do condomínio
Assim como Felipe, vários cariocas querem alugar cômodos de suas casas em função da Copa. Segundo o sócio-fundador do site Cama&Café, Carlos Magno, cerca de dez pessoas entram em contato por dia para saber como locar quartos no período dos jogos. O site, que geralmente tem 150 residências inscritas, neste ano de Copa chega a oferecer 600. Ou seja, mais 300%.
Para Magno, em regra geral, a ideia de hospedar e oferecer café é super bem-vinda porque é uma proposta que integra turistas na cultura local. Entretanto, ele ressalta que é preciso ver as limitações de cada prédio. Anet endossa que antes da locação, o morador deve ver o que diz a convenção do condomínio, pois elas variam:
— Com a Copa, muitos querem, mas quem quiser deve fazer só o aluguel de temporada, ou seja, sem serviços. Neste caso, fica claro que é proibida a atividade de pensão. Em outros, talvez não. É preciso ver a convenção.
Condomínios se blindam para a Copa
Não apenas pela Copa do Mundo — até porque, no Rio a prática de aluguéis curtos é comum, a exemplo do que acontece no carnaval e no réveillon — condomínios da cidade procuram saber como evitar abusos e inconvenientes, como o ocorrido com um outro morador de Ipanema, Guilherme Leite Ribeiro.
No prédio onde mora, um apartamento é alugado por diárias e, segundo Ribeiro, recentemente, uns americanos resolveram dar uma festinha de conotação sexual:
— A polícia veio e houve grande confusão e gritaria.
Caso parecido ocorreu esta semana em Nova York. Um comediante alugou seu imóvel por um site de hospedagens curtas e teve uma surpresa nada agradável: uma orgia foi marcada no seu lar doce lar.
— Nós preferíamos que fosse uma pessoa que ficasse mais tempo, pois a responsabilidade é maior do que uma diária — opina Ribeiro.
Estes casos não representam a maioria, mas ilustram bem o medo dos moradores quando os vizinhos alugam quartos ou apartamentos por diárias. Segundo o advogado André Junqueira, desde a Jornada Mundial da Juventude, no ano passado, os condomínios estão buscando informações para se blindar destas situações:
— Após a Jornada Mundial da Juventude, quando houve muito problema de barulho e bagunça, cresceu a procura de condomínios por esclarecimentos e obstáculos a esses aluguéis. A indicação é resolver amigavelmente.
Percepção também do advogado Jorge Passarelli. Segundo ele, há condomínios que querem até mesmo vetar o aluguel curto para coibir comportamentos excessivos.
Mas, os especialistas explicam que, de acordo com a Lei do Inquilinato, o proprietário pode realizar aluguel por temporada num prazo máximo de 90 dias. Mesmo assim, os moradores devem ficar atentos ao que estabelece a convenção coletiva de seus condomínios.
E como resolver casos de incômodo ou de rotatividade?
— O Código Civil diz que o imóvel não deve ser usado de modo prejudicial ao sossego, à salubridade e à segurança dos moradores. Quem se sentir incomodado, pode entrar com ação — conclui Passarelli.
O Secovi Rio lembra, ainda, que um locatário não pode sublocar um imóvel alugado, salvo autorização do dono.
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